Quaresma e minha utopia minimalista

A quaresma estava para começar e eu estava saturada de precisar de coisas, de procurar preços, opções e ponderar, ponderar, ponderar. A cada compra online uma enxurrada de emoções, muitas vezes um sentimento de culpa.

Cortemos a cena e vamos para 40 dias antes da quaresma começar, eu estava me mudando de país, em família, com duas crianças pequenas. As demandas existiam aos montes, as reais, as burocráticas, as emocionais, etc, etc, etc. O dia anterior a nossa viagem eu passei esvaziando a casa na qual morei nos meus últimos cinco anos, meus primeiros cinco anos de casada, levando dali 6 malas com o que iria com a gente, deixando alguns caixotes guardados, mas precisando me desfazer da maior parte de tudo aquilo, foi uma montanha russa de emoções naquele dia, mas o sentimento dominante do dia e das última semanas era de desespero por ter tantas coisas. Naquele dia eu precise de um milagre e muitos amigos, foi exatamente o que eu tive, graças a Deus!

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A questão é que o desespero por ter coisas sempre foi presente na minha vida, sei que tenho alguns textos sobre isso aqui nesse blog, devo ter outros em outros lugares.  Eu sempre via isso como um medo de me tornar materialista, de dar mais importância a coisas que a Deus, pessoas, experiências, etc e tal. No meio disso tudo sempre admirei o minimalismo, aquela liberdade de não possuir nada, sendo que eu nunca fui capaz de ser minimalista (e sempre tive um pouco de frustração com isso). Nessa quaresma eu descobri que esse meu medo escondia um desejo no meu coração tão pecaminoso quanto idolatrar coisas.

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“(…) o sentimento ilusório de que é bom para nós estarmos sós — é um sintoma espiritual ruim; assim como a falta de apetite é um sintoma médico ruim porque nós realmente precisamos de comida (…) todo nosso ser é uma vasta necessidade por sua própria natureza; incompleta, preparatória, vazia ainda que desordenada, que clama por Ele, que é capaz de desatar aquilo que está com um amontoado de nós e de atar as coisas que ainda estejam desconectadas.” C.S. Lewis em Os quatro Amores

No meio de toda aquela exaustão, a quaresma estava para começar, eu decidi que iria me abster de fazer compras onlines. Achava que havia algo de muito errado com todos meus sentimentos no meio disso tudo, mas não sabia se esse era um jejum válido, eu claramente não estava abrindo mão de algo que me dava alegria, mas eu queria abrir esse espaço para Deus na minha vida, desesperadamente. Foi maravilhoso.

Deus falou comigo no meio disso tudo, falou comigo nas leituras, e então eu fui entendendo que todo meu fascínio com o minimalismo e toda minha frustração ao precisar de coisas eram sinais claros que eu queria ir contra a minha natureza humana idealizada por Deus na criação, fui criada com necessidades. Tão obvio, mas quando caiu a cortina e eu percebi tudo foi uma entrada de ar fresco que trouxe um novo fôlego e um novo descanso. Fui criada para precisar de Deus, para precisar de outras pessoas, de comida, de trabalho, tudo isso coisas muito boas que existiam desde antes da queda. O minimalismo eram então minha utopia, a visão de uma vida perfeita. Eu queria o minimalismo, não para ter menos coisas e para ter mais Deus, eu queria não precisar de nada, inclusive de Deus.

Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a sua boca, e eu a encherei. Salmo 81:10

Todo meu cansaço, não era sinal de uma alma elevada que não precisa de nada, mas o contrário, o sinal de uma alma que precisa de coisas mas que não queria precisar, que queria ser igual a Deus. Agora sei que posso descansar em Deus, que nEle é onde devo buscar refúgio e onde devo ordenar minhas necessidades.

Essa é a estratégia do diabo para nos pegar. Ele sempre envia ao mundo erros aos pares – pares de opostos. E sempre nos estimula a desperdiçar um tempo precioso na tentativa de adivinhar qual deles é o pior. Sabe por quê? Ele usa o fato de você abominar um deles para levá-lo para aos poucos a cair no extremo oposto. Mas não nos deixemos enganar. Temos de manter os olhos fixos em nosso objetivo, que está bem à nossa frente, e passar reto no meio de ambos erros. Nem um nem outro nos interessam.”

C.S. Lewis, em “Cristianismo Puro e Simples

Assim cheguei na Páscoa, com a certeza que em Deus está minha salvação,  em Cristo encontro a água da vida!

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As fotos são do processo de esvaziamento da casa amarela de tijolinhos, por exceção desta logo acima, que é uma casa aqui em Amsterdam.

Mas a foto que eu mais queria colocar, eu não fiz! Nas primeiras semanas aqui visitamos um espaço de criação, com aquele clássico visual de ateliê com muitos materiais e ferramentas, que mãos habilidosas são capazes de transformar em coisas incríveis, mas que é uma das coisas mais distantes da minha antiga utopia de minimalismo. Lembro de ficar olhando para aquilo, e além do maravilhamento por tudo que havia sido feito e ver o lugar, eu pensava no tanto de material e ferramenta que eu tinha que foi embora (a maioria em boas e habilidosas mãos graças a Deus), e como que um ambiente desses era necessário para criar estas coisas tão especiais, que é parte da nossa semelhança com Deus. Ficam então duas fotos das obras.

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2 comentários sobre “Quaresma e minha utopia minimalista

  1. 66renata disse:

    Yasmin,
    Utopia, minimalismo e Deus.
    Estar com você sempre foi essencial na minha vida , desde q era pequenina.
    Agora, qd vc carrega duas pequenas no colo, não canso de adnirá-la pela coragem, força, amor e resiliência.
    Com os olhos marejados, amo você – sempre, pra sempre – minha querida.

    Tia Renata

    Ps- o outro texto q escrevi era mais curto e mais bonito. Perdi. Paciência.

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